domingo, 16 de outubro de 2011

O mapa anatômico das dores de amor

Esta representação dos órgãos internos do corpo humano foi tirada de um anúncio do analgésico Paradison, exibido nas vitrines de todas as farmácias de Istambul na época, e a exponho aqui para mostrar ao visitante do museu onde a agonia do amor apareceu primeiro, onde se tornou mais pronunciada e, depois, até onde se espalhou...
É preciso explicar para os leitores sem acesso a nosso museu que a dor mais acentuada manifestava-se inicialmente no quadrante superior esquerdo do estômago. À medida que se intensificava, a dor se difundia, como indica o desenho, para a cavidade situada entre os pulmões e o estômago. A essa altura, sua presença não se limitava mais ao lado esquerdo do abdome, instalava-se também no direito, e eu tinha a impressão de que enfiavam em mim a ponta de um atiçador, ou uma chave de fenda. Era como se meu estômago, e depois todo o meu abdome, se inundasse de ácido, como se pequenas estrelas-do-mar pegajosas e em brasa grudassem nos meus órgãos internos. À medida que a dor se espalhava e crescia, eu sentia subir pela nuca até a testa, descendo pelos ombros para se espalhar por todo o corpo, invadindo até mesmo meus sonhos e se apossando totalmente de mim.
Às vezes, como aparece no diagrama, uma estrela de dor se formava a partir do meu umbigo e emitia raios de ácido que chegavam à garganta e à boca, e eu tinha medo de que me sufocasse. Se eu batesse com a mão na parede, tentasse alguns exercícios de ginástica ou de algum modo me contraísse como um atleta, conseguia bloquear a dor por algum tempo, mas mesmo quando ela estava mais contida eu sentia sua presença como um gotejamento endovenoso pingando sempre em minha corrente sanguínea, e presente o tempo todo no meu estômago, que era seu epicentro.

sábado, 18 de junho de 2011

Se eu soubesse...

Era o momento mais feliz da minha vida, mas eu não sabia.
Se soubesse, se tivesse idéia de que ele me faria tanta falta, por tantos anos, tudo teria acontecido de outra maneira.
Se eu tivesse reconhecido aquele momento de felicidade perfeita, teria agarrado com toda a minha força e nunca deixaria que me escapasse.
Infelizmente, ninguém reconhece o momento mais feliz da sua vida no instante em que o vive...

segunda-feira, 21 de março de 2011

Quem é essa que se esconde em um corpo que pensa ser seu, mas que teima em lhe governar?
Onde foi parar aquela visão tão romântica que se tinha de tudo?
Por que essa luta para não se libertar do conformismo?
E essa guerra para não transformar-se de uma pessoa que vive para agradar a todos em alguém que busca se agradar?
Pra que esse ego inchado, se ela nem ao menos se conhece?

P.S. Obrigada por dizer que ela não é louca, porque começou a duvidar disso recentemente...

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Às vezes sinto como se em uma distração a vida pudesse fugir. Minha respiração é curta como é rápido o meu pulso. Sempre alerta! A postos para não parar. Tenho fobia do não fazer. E penso tanto, que nem cabe na fala. As 24 horas do dia, dou um jeito de transformar em 30, nem que seja no silêncio da madrugada. A vida sempre me diz "Não tente me controlar", mas eu finjo que não entendo. O que ela quer de mim é coragem, já disse o João. E eu faço de conta que sou corajosa. Mas faço tão bonito, que ela até acredita.

sábado, 27 de novembro de 2010

Sobre a mula que de vez em quando mora em mim...

...Uma volta atrás da outra, interminavelmente, ia a mula, colocando delicadamente suas patas estreitas como as de uma corça sobre o farfalhante leito de bagaço, seu pescoço meneando dócil como um pedaço de mangueira de borracha na coelheira, com os flancos arranhados e as orelhas pendentes e sem vida, e os olhos semicerrados dormitando malevolentemente atrás de pálidas pálpebras, aparentemente embaladas pela monotonia de seu próprio movimento...

...Não se assemelha nem à mãe e nem ao pai, e jamais terá filhos e filhas; vingativa e paciente (é fato comprovado que é capaz de labutar de bom grado e com paciência durante uma década, em troca do privilégio de escoicear uma única vez o seu dono); solitária mas sem altivez, autônoma mas sem vaidade; até sua voz é um escárnio...

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros.
Clarice Lispector

domingo, 21 de novembro de 2010

O que quer a mulher?

Ser o novo homem? No, thanks! Não estou interessada.

Longe de querer responder a pergunta feita por Freud no início do século passado - eu gosto de ser mulher e estou muito bem dentro do meu corpo. Gosto de ser meio fresca, sonhadora, de ter pressão baixa, chorar fácil, ficar de TPM e ser maternal com todas as pessoas e bichos que aparecem na minha frente. Gosto até de parecer mais frágil do que sou. Só que eu também gosto de discutir política, de ter opinião, de ser livre, independente. Mas isso quer dizer que eu não queira mais ser mulher?

Ter opinião, personalidade, força e coragem não quer dizer que a gente seja homem. Quer dizer que a gente é ser humano, do tipo mais ou menos bem resolvido. E que tivemos a mesma chance que eles de nos educar, estudar, aprender. Direitos iguais. Isso não era para ser o óbvio?

Ainda há bastante o que fazer antes de cantar a vitória da igualdade. Se não somos agredidas fisicamente, o que ainda acontece com uma mulher a cada 15 segundos no Brasil, as bofetadas são dadas pela família, por aquelas que se acham "mais mulheres", pela mídia. Quantas reportagens não falam da mulher que se igualou ao homem e, agora, está doente, está sozinha, está ferrada, coitada.

Falam do preço que estamos pagando por nossas conquistas:  “Conquistaram o mercado de trabalho e pagam o preço de continuarem solteiras”, “priorizaram a carreira e pagam o preço de não terem se tornado mães”. Pagar o preço, nessa fala, pressupõe que exista um desejo único que une todas as mulheres, uma “natureza feminina” que berra, inconformada com o corpo que não obedece aos seus verdadeiros instintos: casar, acasalar com amor e ter filhos.

O pior é que absorvemos essas verdades sem perceber que há nelas um determinismo do qual precisamos nos libertar. Precisamos aprender a sentir a alegria de quem escolheu, ao invés do peso de quem foi obrigado a cumprir, a leveza de quem oferece, em vez do rigor de quem se cobra.