sábado, 27 de novembro de 2010

Sobre a mula que de vez em quando mora em mim...

...Uma volta atrás da outra, interminavelmente, ia a mula, colocando delicadamente suas patas estreitas como as de uma corça sobre o farfalhante leito de bagaço, seu pescoço meneando dócil como um pedaço de mangueira de borracha na coelheira, com os flancos arranhados e as orelhas pendentes e sem vida, e os olhos semicerrados dormitando malevolentemente atrás de pálidas pálpebras, aparentemente embaladas pela monotonia de seu próprio movimento...

...Não se assemelha nem à mãe e nem ao pai, e jamais terá filhos e filhas; vingativa e paciente (é fato comprovado que é capaz de labutar de bom grado e com paciência durante uma década, em troca do privilégio de escoicear uma única vez o seu dono); solitária mas sem altivez, autônoma mas sem vaidade; até sua voz é um escárnio...

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros.
Clarice Lispector

domingo, 21 de novembro de 2010

O que quer a mulher?

Ser o novo homem? No, thanks! Não estou interessada.

Longe de querer responder a pergunta feita por Freud no início do século passado - eu gosto de ser mulher e estou muito bem dentro do meu corpo. Gosto de ser meio fresca, sonhadora, de ter pressão baixa, chorar fácil, ficar de TPM e ser maternal com todas as pessoas e bichos que aparecem na minha frente. Gosto até de parecer mais frágil do que sou. Só que eu também gosto de discutir política, de ter opinião, de ser livre, independente. Mas isso quer dizer que eu não queira mais ser mulher?

Ter opinião, personalidade, força e coragem não quer dizer que a gente seja homem. Quer dizer que a gente é ser humano, do tipo mais ou menos bem resolvido. E que tivemos a mesma chance que eles de nos educar, estudar, aprender. Direitos iguais. Isso não era para ser o óbvio?

Ainda há bastante o que fazer antes de cantar a vitória da igualdade. Se não somos agredidas fisicamente, o que ainda acontece com uma mulher a cada 15 segundos no Brasil, as bofetadas são dadas pela família, por aquelas que se acham "mais mulheres", pela mídia. Quantas reportagens não falam da mulher que se igualou ao homem e, agora, está doente, está sozinha, está ferrada, coitada.

Falam do preço que estamos pagando por nossas conquistas:  “Conquistaram o mercado de trabalho e pagam o preço de continuarem solteiras”, “priorizaram a carreira e pagam o preço de não terem se tornado mães”. Pagar o preço, nessa fala, pressupõe que exista um desejo único que une todas as mulheres, uma “natureza feminina” que berra, inconformada com o corpo que não obedece aos seus verdadeiros instintos: casar, acasalar com amor e ter filhos.

O pior é que absorvemos essas verdades sem perceber que há nelas um determinismo do qual precisamos nos libertar. Precisamos aprender a sentir a alegria de quem escolheu, ao invés do peso de quem foi obrigado a cumprir, a leveza de quem oferece, em vez do rigor de quem se cobra.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

"...Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja ao menos um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso, mas a outra metade é um vulcão..."

(Oswaldo Montenegro)

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Só esperava pela hora do primeiro trem partir, qualquer trem – menos ficar naquela estação vazia, menos ter que refrear o cavalo que correria de coração batendo para outros, outros cavalos. (Clarice Lispector)

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Sobre cartas e a rede

Já que as distâncias eram grandes, escreviam-se cartas. Já que era preciso esperar as cartas, havia tempo. Já que havia tempo, falava-se de amor. Já que falava-se de amor, escreviam-se mais cartas.

E porque era preciso fazer as cartas chegarem mais rápido, construíam-se estradas. Estradas que nos levaram mais rápido ao futuro: encurtaram-se as distâncias.

E já que encurtaram-se as distâncias, aumentou o trabalho. E já que o trabalho aumentou, escasseou o tempo. E pela escassez de tempo, cessaram as cartas. E pela falta das cartas, aumentaram-se as distâncias. Recesso para o amor.

Já que o amor entrou em recesso, o avanço. E já que veio o avanço, criou-se a tal rede. E já que a rede se criou, encurtaram-se as distâncias. Até mesmo entre os amores. Até mesmo entre os tempos.

E no mundo contido dentro da rede, nasceram de novo as cartas. Agora instantâneas. Aviõezinhos de papel lançados incessantemente de uma ponta a outra do mapa. Sonhos, sussurros, dores, saudades e angústias percorriam num susto longas distâncias, para chegar aos ouvidos da outra ponta do mapa.

O mundo virou teia de cartas. Um emaranhado de dores e amores, e gentes se vendo e ouvindo e dizendo em todas as línguas. Um mundo abraçando o mundo carente de cartas, caminhos, estradas e de andar a pé pra relembrar.

Virtuais, as cartas tornaram amores reais.

E a cada nova carta, um mundo de amor. A teia. E a cada novo mundo, mais cartas. E já não era possível desfazer os nós. E as pessoas deram-se as mãos, como antes não acontecia. E eram semelhantes as mãos que se davam, sem que a distância fosse empecilho. E como as palavras de longe chegavam ao pé do ouvido, falou-se de perto. E já que de longe acendiam-se almas, encurtaram-se as distâncias.

Mas, como o virtual dominasse, o real perdeu sua força. Não mais se olharam as pessoas. O amor em recesso mais uma vez.

E um dia, de tanto viajarem as cartas, encurtando distâncias e mais distâncias, alguém olhou para o lado e descobriu a verdade.

O longe estava perto. O perto estava longe.

E assim a escassez de tempo nos disse verdades com sua voz rouca. E nos perguntamos se tudo isso fazia sentido. E choramos. E escrevemos novas cartas que vão e voltam.

Mas, e o amor?

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

"diga o senhor: como um feitiço? isso. feito coisa-feita. era ele estar perto de mim, e nada me faltava. era ele fechar a cara e estar tristonho, e eu perdia meu sossego. era ele estar por longe, e eu só nele pensava. e eu mesmo não entendia então o que aquilo era? sei que sim. mas não. e eu mesmo entender não queria. acho que. aquela meiguice, desigual que ele sabia esconder o mais de sempre. e em mim a vontade de chegar todo próximo, quase uma ânsia de sentir o cheiro do corpo dele, dos braços, que à vezes adivinhei insensatamente – tentação dessa eu espairecia, aí rijo comigo renegava. muitos momentos."


Grande Sertão Veredas, Guimarães Rosa.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Sobre acasos e imprevistos...

Vi um anúncio de uma água de colônia chamada Imprevisto. O perfume é barato, mas me serviu para lembrar que o inesperado bom também acontece. E sempre que estou desanimada, ponho em mim o Imprevisto. Me dá sorte. Você, por exemplo, não era previsto. E eu imprevistamente te aceitei.          (Clarice Lispector)

segunda-feira, 12 de julho de 2010

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Reflexões sobre as monstruosidades humanas...

[...] vivi durante muitos anos aferrado à crença de que, apesar de umas tantas contrariedades e contradições, esta espécie de que faço parte usava a cabeça como aposento e escritório da Razão. Certo era que o pintor Goya, surdo e sábio, me protestava que é no sono dela que se engendram os monstros, mas eu argumentava que, não podendo ser negado o surgimento dessas avantesmas, tal só acontecia quando a razão, pobrezinha, cansada da obrigação de ser razoável, se deixava vencer pela fadiga e mergulhava no esquecimento de si própria. Chegado agora a esses dias, os meus e os do Mundo, vejo-me diante de duas possibilidades: ou a razão, no homem, não faz senão dormir e engendrar monstros, ou o homem, sendo indubitavelmente um animal entre os animais, é, também, o mais irracional entre todos eles.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Sobre garras e sonhos...


De chofre explicava-se para que eu nascera com mão dura, e para que eu nascera sem nojo da dor.
Para que te servem essas unhas longas?
Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais, responde o lobo do homem.
Para que te serve essa cruel boca de fome?
Para te morder e para soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer, eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada.
Para que te servem essas mãos que ardem e prendem?
Para ficarmos de mãos dadas, pois preciso tanto, tanto, tanto - uivaram os lobos, e olharam intimidados as próprias garras antes de se aconchegarem um no outro para amar e dormir.

domingo, 27 de junho de 2010

sábado, 26 de junho de 2010

Trilogia Millennium

Já falei aqui no blog sobre a minha heroína moderna favorita - Lisbeth Salander - da Trilogia Millennium de Stieg Larsson. Super recomendo a leitura dos 3 livros - Os homens que não amavam as mulheres, A menina que brincava com fogo e A rainha do castelo de ar. Segue o link do site oficial:
http://www.trilogiamillennium.com.br/

sexta-feira, 18 de junho de 2010

"Olho de cima da ribanceira a corrente que mal se move, a água quase estagnada, e absurdamente imagino que tudo voltaria a ser o que foi se nela pudesse voltar a mergulhar a minha nudez da infância, se pudesse retomar nas mãos que tenho hoje a longa e húmida vara ou os sonoros remos de antanho, impelir, sobre a lisa pele da água, o barco rústico que conduziu até às fronteiras do sonho um certo ser que fui e deixei encalhado algures no tempo."

José Saramago (1922-2010)
As pequenas memórias

domingo, 6 de junho de 2010

Sobre aprender a ter alegria...


- Mas nas suas viagens é impossível que você nunca tenha estado entre laranjeiras, sol, e flores com abelhas. Não só o frio escuro, mas também o resto.

- Não, disse sombria. Essas coisas não são para mim. Sou mulher de cidade grande.

- Em primeiro lugar, Campos não é o que se chama de cidade grande. E depois essas coisas, como símbolo, são para todo o mundo. É porque você não aprendeu a tê-las.

- E isso se aprende? Laranjeiras, sol e abelhas nas flores?

- Aprende-se quando já não se tem como guia forte a natureza de si próprio. Lóri, Lóri, ouça: pode-se aprender tudo, inclusive a amar! E o mais estranho, Lóri, pode-se aprender a ter alegria!

sábado, 5 de junho de 2010

No dia do meio ambiente...




Às vezes, sou obrigada a concluir que a burrice humana não tem limites, e o pior é que às vezes se disfarça, utilizando bandeiras “politicamente corretas” como a tão controversa defesa do meio ambiente, agora chamada de “pegada ecológica”.

A motivação para escrever esse texto veio de mais um exemplo revoltante de completa ignorância apresentado no caderno intitulado “ambiente” da Folha de SP de hoje. Longe de desmerecer a profissão de jornalista, faço uma crítica, talvez dura, à facilidade de alguns em falar de assuntos que não possuem o menor domínio. Isso sim merecia censura pesada!

Vou falar de uma área para a qual eu dediquei os últimos 17 anos da minha vida, e por isso acho que possuo algum conhecimento: a produção animal. É revoltante ver um jornalista incitar a população a reduzir o seu consumo de proteínas de origem animal como meio de “salvar o planeta” e “acabar com a crueldade contra os animais”. Será que algum dos profissionais que escreveu sobre essas duas “bandeiras”, no referido caderno, já colocou os pés em uma fazenda produtora de leite ou carne? Provavelmente, como a maioria dos cidadãos brasileiros, nunca. E nas suas mentes férteis e “urbanóides”, pintam um quadro de completo horror – animais servindo como máquinas para uso humano, submetidos a todo tipo de crueldade e espoliados até os ossos por produtores endinheirados. Assim, fica fácil pregar que a produção animal é a grande vilã dos tempos modernos.

É claro que eles também não sabem que muitas cadeias produtivas, como a do leite, por exemplo, exige trabalho diário, inclusive em todos os feriados e dias santos, e que um produtor pode receber, em determinadas situações, menos de R$0,50 por litro de leite produzido. É ético pregar que as pessoas não devem consumir leite e, com isso, prejudicar uma atividade já tão penalizada? Talvez fosse menos cruel que eles simplesmente abandonassem a atividade e deixassem morrer uma grande porcentagem da população infantil brasileira, que tem no leite o seu principal alimento.

“Esquecem” também, falando apenas do lado social, que a atividade agropecuária é uma das mais importantes fontes de alimento, emprego e renda para a população brasileira. Não seria justo também pensar na preservação da espécie humana para que ela possa desfrutar do tão precioso meio ambiente?

Por que nenhum deles fala sobre o impacto ambiental causado pela sua saladinha ecologicamente correta? Por acaso alface e tomate não consomem água e não poluem o ambiente quando são produzidos? Acho também, que o mais correto seria que não se alimentassem, pois as plantas também são seres vivos, e devem “sentir” algum incômodo ao serem arrancadas da mãe natureza. Uma solução para essas pessoas tão evoluídas se manterem vivas poderia ser a fotossíntese.

Fica claro, também, que eles não sabem que o maior salto da evolução humana, em termos de desenvolvimento cerebral, ocorreu quando o homem incluiu em sua dieta vegetariana, as proteínas de origem animal. Talvez elas estejam fazendo falta em suas refeições...

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Paisagem da Janela

Todos os anos, nessa época, as árvores que ficam em frente à janela do meu quarto são invadidas por esses lindos pássaros azuis. Eu pensava que fossem maritacas, mas agora com a minha nova máquina fotográfica, descobri que não. Alguém sabe que pássaro é esse?

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Sobre os nossos referenciais...

Uma única e mesma coisa pode ser ao mesmo tempo boa, má e indiferente. Por exemplo, a música é boa para os melancólicos, má para aqueles que estão de luto, e nem boa nem má para os surdos.

domingo, 30 de maio de 2010

Sobre a dor do auto-conhecimento...

Como pode ser percebido pelos meus posts, estou lendo a biografia de Clarice Lispector, de Benjamim Moser. Passei hoje da metade do livro de 638 páginas, mas não sei se conseguirei chegar até o fim, tamanha a dor que sinto ao avançar na história. Acho que é a dor do auto-conhecimento. Encontro nela uma compreensão jamais experimentada... Como seus conflitos interiores, embora as causas exteriores sejam tão diversas, se parecem com os meus... Já cheguei ao ponto de fechar o livro às pressas, com um sentimento próximo do pavor. Já chorei copiosamente, mas felizmente não me consolei, porque não quero me consolar dela, nem de mim.

Sobre a inteligência e outros perigos...


Teve tal repugnância pelo fato de ter quase pensado que apertou os dentes em dolorosa careta de fome e desamparo - virou-se inquieto para todos os lados do descampado procurando entre as pedras um meio de recuperar a sua potente estupidez anterior que para ele se havia tornado fonte de orgulho e domínio.
[...] Com enorme coragem, aquele homem deixara enfim de ser inteligente.

Sobre o nosso egocentrismo...

Os homens geralmente supõem que todas as coisas da natureza agem, como eles, com alguma meta em mente, e até mesmo sustentam a certeza de que o próprio Deus conduz tudo em direção a uma certa meta... Eles acreditam que tudo foi criado tendo-os em mente e dizem que a natureza de uma coisa é boa ou ruim, saudável ou doente e corrompida, dependendo de como eles próprios são afetados por ela.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Sobre aquilo que me move...

Acho que todas as coisas importantes que fiz na vida foram por impulso.

Foi num impulso que, segundo minha mãe, comecei a falar, aos 7 meses. Num impulso, me apaixonei pela primeira vez (e todas as outras), ao ver que ele tinha um sorriso lindo. Desisti do Direito porque achei que seria muito chato. Escolhi Veterinária. Desisti de um concurso público para tentar um vôo mais emocionante. E mais arriscado, sim. Num impulso aprendi a ter uma empresa, e um milhão de responsabilidades. E a não ter tempo para ser mãe. Pelo menos por hora. Num impulso quis que fosse para sempre. E não foi. Num impulso, aprendi a perder. E a desistir – que também é um ato que exige grande coragem.

O que eu chamo de impulso talvez seja uma batida mais forte do coração que, de tão intensa, traz junto com ela um empurrão. Nunca fui de ruminar muito as coisas, de planejar. Sempre prestei atenção aos sinais e os segui. Confio no que é feito com esse coração que bate forte confirmando.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Sobre o fato de que ninguém nasce mulher...


"...Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro. Enquanto existe para si, a criança não pode apreender-se como sexualmente diferenciada. Entre meninas e meninos, o corpo é, primeiramente, a irradiação de uma subjetividade, o instrumento que efetua a compreensão do mundo: é através dos olhos, das mãos e não das partes sexuais que apreendem o universo. O drama do nascimento, o da desmama desenvolvem-se da mesma maneira para as crianças dos dois sexos; têm elas os mesmos interesses, os mesmos prazeres. Até os doze anos a menina é tão robusta quanto os irmãos e manifesta as mesmas capacidades intelectuais; não há terreno em que lhe seja proibido rivalizar com eles. Se, bem antes da puberdade e, às vezes, mesmo desde a primeira infância, ela já se apresenta como sexualmente especificada, não é porque misteriosos instintos a destinem imediatamente à passividade, ao coquetismo, à maternidade: é porque a intervenção de outrem na vida da criança é quase original e desde seus primeiros anos sua vocação lhe é imperiosamente insuflada..."

sábado, 22 de maio de 2010

Memórias do Bauzinho...


Estava tentando matar o meu tão precioso e escasso tempo no aeroporto de Guarulhos, quando recebi uma mensagem no e-mail: "Flávia, o bauzinho de memórias está lindo!!!! Não me canso de ler. Não deixe de escrever sempre!!! Bjs, Soraya!"

Vinda de uma prima tão querida, com quem passei os melhores dias da minha infância e "aborrescência", não podia deixar de me emocionar. Como já disse outras vezes, não criei esse blog pensando em quem ia ler as postagens. Foi antes uma forma de me forçar a escrever sobre assuntos não-técnicos, o que às vezes é muito difícil para quem trabalha especificamente com editoração de artigos. Mas, saber que alguém tão especial tem lido e gostado, é muito bom!

Como não podia deixar de ser, a mensagem me fez lembrar da Soraya e, consequentemente, voltar em um tempo dos mais bem vividos, quando quase tudo era alegria. Fez lembrar também da minha outra prima, Daisy, e do trio inseparável que éramos. E, é claro, também dos meus queridos tios, Maria Esther e Antônio, o "Titoim", meu segundo pai, de quem sinto uma saudade imensa. Como essa família foi importante na minha formação pessoal e das minhas referências e valores! Ali eu não era sobrinha, era filha; não era prima, era irmã.

Meu tio era uma pessoa das mais espetaculares que já existiu. Foi seminarista convicto, tão convicto que bastou olhar para a linda italianinha Maria Esther para desistir imediatamente de ser padre. Era um homem de visão! Tanta visão que, na era Sarney, quando todos sofriam com a inflação e falta de produtos básicos, ele tinha uma despensa com quilos de arroz, feijão, carne congelada, e outros itens essenciais como leite condensado e 1000 canetas Bic...rsrsrs. Estava sempre de bom humor e, ao contrário do irmão (meu pai), tinha um espírito aventureiro que eu adorava. Gostava de viajar, acampar e sempre foi empreendedor. Vendeu aparelhos de som, fabricou sabão e criou codornas dentro de casa, até encontrar seu grande talento e, junto com toda a família, montar uma empresa e criar os bolos de festa mais lindos do Brasil.

Acho que todos, quando crianças, têm alguém com quem gostariam de se parecer quando crescessem. No meu caso, era a Soraya. Queria ser bonita como ela, esperta nos jogos e brincadeiras (aliás, nesse quesito ela sempre me classificou como lerda), falar das coisas interessantes que só ela sabia e, mais tarde, abraçar e beijar um namorado como ela fazia com os dela... Aliás, esse é um capítulo à parte nas nossas histórias. Foi a Soraya que me ensinou o que fazer no momento do tão temido "primeiro beijo". E com aulas práticas! Quantas horas passei com um gomo de mexerica entre os lábios...rsrsrsrs.

Fomos meninas de uma época antes do computador e do celular. Nos fins de semana andávamos de bicicleta por todo o bairro e passavamos horas brincando de boneca e de "Deusa", jogando Banco Imobiliário, pulando amarelinha ou corda, fazendo cabaninhas no quarto  e transformando o quarteirão da Rua Marquês do Lavradio no nosso "Estádio Olímpico", onde rolavam partidas animadíssimas de queimada, polícia e ladrão, mãe da rua e todas as modalidades de pique.

Com o passar do tempo as brincadeiras foram substituídas por festinhas, matinês no Olímpia e Hippodromo, saídas noturnas com hora marcada para chegar em casa, e quando assustamos já éramos adultas... Aí veio a Universidade, cada uma fazendo um curso diferente e, como era de se esperar, nos afastamos cada dia mais. Hoje, muito mais por minha culpa, nos vemos muito pouco. Mas, cada reencontro é, para mim, como se apenas uma semana tivesse se passado desde a última vez que nos vimos. A afinidade, o carinho e a cumplicidade são laços que não se afrouxaram com o tempo, e eu sei que sempre, mesmo quando estivermos bem velhinhas, seremos "as meninas" da família, inseparáveis.

Tão insignificantes e tão pretensiosos...

domingo, 16 de maio de 2010

Sobre os mistérios de cada um


Clarice Lispector nunca voltou ao Egito. Mas, muitos anos depois, relembrou sua breve excursão turística, quando, nas "areias do deserto", encarou desafiadoramente ninguém menos que a própria Esfinge.
"Não a decifrei", escreveu a orgulhosa e bela Clarice. "Mas, ela também não me decifrou."
"Vou ver quem devora quem."

domingo, 9 de maio de 2010

Para a minha mãe...

Mãe, "depois de muitas frases lapidar, eu percebi que as rimas que eu preciso, essas rimas esqueci... e que o verbo amar não se conjuga sem você." (Tom Jobim)

sábado, 8 de maio de 2010

O que ela quer?

O que ela quer é muito. Quer sempre. Ela quer o que não tem nome. Quer rir sem saber de quê. Quer tomar vinho e olhar nos olhos. Ela quer poder soltar o que mora dentro, o que já não cabe. Quer o que não serve pra nada, só pra ela. Quer o desejo, que é menos comportado que a vontade. Ela quer o imprevisto, a surpresa, o coração disparado, o medo de ser bom. Quer música alta e silêncio total. Quer se cobrir de eternidade, pra ficar sempre menina. Ela quer tremer as pernas. Quer a milésima primeira vez. Ela quer ficar vermelha de sem jeito. Quer a alegria besta de quem não tem juízo. O que ela quer é tão simples. Mas, ela já tem muito e ainda quer mais?

Sobre a dura realidade...

Rosas, pensou, sarcasticamente. Bobagens, minha cara. Pois em verdade, quando se tem de beber, comer e deitar, tanto nos bons quanto nos maus dias, a vida não tem nada a ver com rosas.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Sobre o conselho que ela queria me dar...

Essa pequena, pensou Mrs. Dempster (que guardava migalhas para os esquilos e seguidamente almoçava no Regent’s Park) ainda não sabe nada da vida; e, na verdade, seria melhor para ela que fosse um pouco mais forte, um pouco mais lenta, um pouco mais moderada nas suas esperanças.

Descontrolei...

Descontrolei quando vi as fotos dessa menininha.

Ela é filha de um casal de fotógrafos franceses, especilialistas em vida selvagem. Nasceu nos anos 1990 e passou a infância na África. Hoje mora na França. Ah, falar mais não... ficar só vendo e admirando a vida e suas infinitas possibilidades.


quarta-feira, 5 de maio de 2010

Flor e Bubuia

Conviver com os animais ajuda a resgatar um pouco daquilo que você poderia viver: a liberdade e a relação simples com a vida.
Para as titias do Brasil e do mundo que vivem pedindo novas fotos das meninas, aí vão elas...





segunda-feira, 26 de abril de 2010

O segredo dos seus olhos...

Nunca consegui mentir para a minha mãe.

Não estou falando de omitir, que é bem diferente, mas de faltar com a verdade, naquela hora do olho no olho. Ela sempre dizia: "seus olhos não mentem, e eu sei ler direitinho o que está escrito neles". É claro que eu odiava essa falta de "privacidade", mas hoje sinto falta de ter alguém que me conheça tão bem, só pelo meu olhar...

O segredo dos seus olhos, película argentina que ganhou o oscar de melhor filme estrangeiro utiliza, de maneira sublime, as janelas da alma, como pano de fundo para um roteiro primoroso. Mas, mais fantástico que o enredo é sair do cinema sem saber qual é a moral da história. Ou melhor, sabendo que elas são muitas, porque esse é um filme que toca em várias feridas, mais ou menos doloridas, de acordo com o freguês.

A trama é bem simples: o oficial de justiça recém aposentado Benjamín Espósito (o sensacional Ricardo Darín, de O filho da noiva) começa a escrever um romance policial sobre um caso que ele mesmo investigou em 1974. Entre idas e vindas no tempo, descobrimos como um crime pode ser elucidado pela observação atenta a um simples olhar. Ao revisitar o passado pelas palavras e pela memória, Benjamin questiona, além dos detalhes do crime, a forma como conduziu sua vida até então.

A mistura de temas tão complexos, que poderia resultar em um desastre completo, aqui, funciona muito bem: pitadas sutis de comédia e romance permeiam questões profundas como violência, obsessão, insatisfação pessoal e vaidade, culminando com uma apoteose digna de Hitchcock.


Para ver, rever e aplaudir de pé.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Sobre a primeira grande desilusão...


" Um dia, contava meu tio, eu saí atrás de meus irmãozinhos, Aurélio e Ernesto, teu pai, terrível como você, me disse, rindo. Eles tinham sumido, escapado da minha vigilância. Onde diabos eles teriam ido se meter? Procurava os dois, na maior aflição, já tinha vasculhado todos os cantos do navio quando lembrei de entrar no depósito de bagagens. Sabem quem eu encontrei lá? Meu pai. O nonno estava sentado em cima de um baú, ali escondido, chorando. Não cheguei perto, fiquei calado, só olhando. Ele não me viu porque estava com as mãos no rosto. Eu nunca pensei que pudesse ver um dia uma coisa daquelas: meu pai, um homem tão forte, tão corajoso, chorando. Nunca imaginei que meu pai soubesse chorar... Confesso que fiquei triste, desapontado, ao ver meu pai soluçando daquele jeito."

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Sobre o que fazer quando morrer...


"Mas Colette perguntava, em pânico por um momento, atirada em descrença: e se eu morrer? Al, que devo fazer se morrer?
Al respondia: mantenha a cabeça no lugar. Não chore. Não fale com ninguém. Não coma nada. Repita sem parar o seu nome. Feche os olhos e procure a luz. Se alguém disse: siga-me, peça para se identificar. Quando vir a luz, caminhe em direção a ela. Mantenha a bolsa grudada ao corpo, onde antes havia corpo. Não abra a bolsa, e lembre que a última coisa que deve fazer é puxar um mapa, por mais perdida que se sinta. Se alguém lhe pedir dinheiro, ignore, passe reto. É só continuar andando para a luz. Não olhe ninguém nos olhos. Não deixe ninguém deter você."

sábado, 17 de abril de 2010

Apaixonada...



Me fez lembrar quando eu tinha uns 5 anos e me apaixonei por um padre... = )

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Equilibrista

Você tem de ser equilibrista até o fim da vida. E suando muito, apertando o cabo da sombrinha aberta, com medo de cair, olhando a distância do arame já percorrido e do arame a percorrer — e sempre tendo de exibir para o público um falso sorriso de calma e facilidade. Tem de fazer isso todos os dias, para os outros como se na vida não tivesse feito outra coisa, para você como se fosse sempre a primeira vez, e a mais perigosa. Do contrário seu número será um fracasso.


De Fernando Sabino para Clarice Lispector. Ou será que foi para mim?

terça-feira, 13 de abril de 2010

O Beijo


Dizem que o pintor austríaco Gustav Klimt (1862-1918) foi quem melhor inseriu a beleza feminina no meio artístico. No quadro O Beijo (1907-08), o pintor retrata o ardor da paixão, em um estilo radical para a época; tanto que foi incompreendido até por seus colegas pintores.
Na obra, o pintor retrata a si mesmo e a sua amante Emilie. Dizem os entendidos que, com um olhar atento ao quadro, vê-se que a mulher, ao ser beijada, tem sua alma aprisionada voluntariamente ao corpo do homem, e que a obra é uma expressão sublime do erotismo e do desespero.
O Beijo faz parte do acervo da Österreichische Galery de Viena. Está aí uma obra para se apaixonar!

Beijo, kiss, beso, kissu, küchen, baiser, tzub, pitér, xkyss, potselui, neshiká

domingo, 11 de abril de 2010

A visão de Drumond sobre as moças de Belo Horizonte

Belo Horizontinas no Bar do Ponto em 1935

A última edição do Jornal da Pampulha traz uma crônica de Carlos Drumond de Andrade elogiando o charme intelectualizado das nossas ancestrais.
Na crônica "Entre o baton e os livros" ele confessa seu encantamento pelo que chamou de intelectualização das jovens que viviam na capital mineira na década de 1930. Segundo ele, nossas avós, moças da Belo Horizonte daquela época, não se adaptaram ao "modelo melancólico das inglesas, de um ser desgracioso, agido e medular, decorado com um par de óculos cintilantes e botinas intermináveis, com um vestido horroroso no meio", e continuavam bonitas, adoráveis e de bem com a vida.
"Confesso que fico um tanto comovido quando, ao pegar meu bonde das 11 horas, vejo no banco da frente a moça que lê André Mourois - `Les Mondes Imaginaires Gracssete, 25iéne Édition` - e no banco de trás a moça que assina a Litteray Digest (notem que não é Ardel nem a `Revista da Semana`), ambas perfeitamente normais e intergradas ao quadro cotidiano", escreveu Drumond. E isso, de acordo com o cronista, não era mais uma exceção na cidade, onde ele notava que "toda novidade bibliográfica francesa, inglesa, espanhola, etc, encontrava leitoras bonitas."

sábado, 10 de abril de 2010

O jiló de hoje!


Nesta edição do Comida di Buteco, todos os pratos participantes devem, obrigatoriamente, conter jiló. Hoje, resolvi experimentar o jiló do Antoniu´s, que está concorrendo com o prato Enroladinho do Antoniu´s - enrolado de frango recheado com legumes e jiló, acompanhado de molho madeira, molho de laranja e pasta de jiló. Delícia!!! Dei nota 8 no formulário de votação, porque achei que faltou um pouquinho de tempero no frango.


O bar está concorrendo também em uma categoria paralela, promovida pela Elma Chips, com a Surpresa Mineira - carne de panela, com purê de mandioca e queijo, e Doritos. Simplesmente divino e, na minha opinião, melhor que o Enroladinho.


 
O Antoniu´s


Enroladinho do Antoniu´s


Surpresa Mineira

Meio flor, meio gente...


Lembra quando rolou aquela história de uma coelhinha que ficava verde fluorescente no escuro?
Pois, é...  Além de Alba, que é o resultado da interação do gene de um coelho comum com o de uma água-viva fluorescente do Oceano Pacífico, Eduardo Kac é o pai da Edunia, uma flor, resultado da mistura de gens do artista e de uma Petunia!!! *.*

Eduardo Kac é pioneiro da arte digital e transgênica, no mundo, e o DNA dele está aí, nas veias vermelhas da pétala. Aqui, você pode ler uma explicação do artista sobre a obra:  http://www.ekac.org/nat.hist.enig.html

Eduardo Kac é também o criador da Holopoesia, que é “uma linguagem verbal/visual que explora as flutuações formais, semânticas e perceptuais da palavra/imagem no espaço-tempo.” Em outras palavras, o cara inventou a poesia digital.

Se você está em BH, corre pra ver o último dia da exposição dele, Poesia Digital, só até amanhã, no Oi Futuro. São 14 dos seus primeiros poemas e a maioria deles interativo.

Vila Morada

Hoje fiz uma descoberta fantástica que deveu-se, exclusivamente, a uma pequena mudança no caminho que sempre faço a pé entre o escritório e minha casa. Passando pela rua Rio Grande do Norte, ao lado do meu inferninho preferido (A Obra), o que significa que já passei inúmeras vezes por lá sem notar, avistei um corredorzinho comprido, cheio de plantas no fundo. Resolví dar uma espiadinha e me deparei com uma vilinha bucólica, cheia de casinhas coloridas - a Vila Morada.

Trata-se de uma vila de 1972, localizada no coração da Savassi. São 15 casas, entre residências e ateliês, dispostas ao longo de um corredor, onde gatos passeiam distraidamente, e pássaros cantam nos galhos das plantas, lembrando as belas cidades históricas de Minas.

A maior parte das casas é habitada por artistas, entre pintores, designers de moda, ceramistas, chefs de cozinha, dentre outros. Em um dos ateliês conheci a Cleo, um encanto de menina, que produz peças de roupa exclusivíssimas. Para quem quiser conhecer, o endereço do blog dela é ateliedemoda.blogspot.com

Andando um pouquinho mais, conheci a Lilly que faz lindas gravuras e depois de 5 minutos de conversa já me convidou para uma cervejinha em uma mesinha na porta da sua casa. Claro que aceitei, né?

É óbvio que eu decidí, na mesma hora, que queria me mudar para lá, imediatamente. Mas, infelizmente, a Lilly me contou que existe uma lista de espera de 193 pessoas interessadas e que ela esperou 6 anos para conseguir alugar o seu cantinho... : (

Para quem quiser conhecer, o endereço é Rua Rio Grande do Norte, 1146 na Savassi.

A entrada


O mosaico no piso já sinaliza a bela surpresa


Uma cidadezinha do interior inscrustada no coração da Savassi. Detalhe: esse grande prédio ao fundo é onde funciona o escritório da Leite Integral


A entrada do ateliê da Cleo


A casa da Lilly


Minha futura casa... ? quem sabe?

quarta-feira, 7 de abril de 2010



"Não sei se quero descansar por estar realmente cansada ou se quero descansar para desistir." (Clarice Lispector)

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Sobre as perguntas sem resposta


"Eu não consegui, ou não quis, adormecer tão cedo. Liguei o meu walkman e fiquei a ouvir um lado inteiro de um disco do Bob Dylan. Adormeci com ele a pergurtar-me ao ouvido: How many roads must a man walk down/ Before you call him a man?/ Yes, and how many seas must a white dove sail/ Before she sleeps in the sand? E, mesmo antes de fechar de vez os olhos e cair na inconsciência, respondi-lhe: I don´t know the answer, my friend..."

domingo, 4 de abril de 2010

Sobre o anonimato da dor


"...Neste lugar, a que chamam Gólgota, muitos são os que tiveram o mesmo destino fatal e outros muitos virão a ter, mas este homem, nu, cravado de pés e mãos numa cruz, filho de José e Maria, Jesus de seu nome, é o único a quem o futuro concederá a honra da maiúscula inicial, os mais nunca passarão de crucificados menores. É ele, finalmente, este para quem apenas olham José de Arimateia e Maria Madalena, este que faz chorar o sol e a lua, este que ainda agora louvou o Bom Ladrão e desprezou o Mau, por não compreender que não há nenhum diferença entre um e outro, ou, se diferença há, não é essa, pois o Bem e o Mal não existem em si mesmos, cada um deles é somente a ausência do outro. Tem por cima da cabeça, resplandecente de mil raios, mais do que, juntos o sol e a lua, um cartaz escrito em romanas letras que o proclamam Rei dos Judes, e, cingindo-a, uma dolorosa coroa de espinhos, como a levam, e não sabem, mesmo quando não sangram para fora do corpo, aqueles homens a quem não se permite que sejam reis em suas próprias pessoas..."