segunda-feira, 26 de abril de 2010

O segredo dos seus olhos...

Nunca consegui mentir para a minha mãe.

Não estou falando de omitir, que é bem diferente, mas de faltar com a verdade, naquela hora do olho no olho. Ela sempre dizia: "seus olhos não mentem, e eu sei ler direitinho o que está escrito neles". É claro que eu odiava essa falta de "privacidade", mas hoje sinto falta de ter alguém que me conheça tão bem, só pelo meu olhar...

O segredo dos seus olhos, película argentina que ganhou o oscar de melhor filme estrangeiro utiliza, de maneira sublime, as janelas da alma, como pano de fundo para um roteiro primoroso. Mas, mais fantástico que o enredo é sair do cinema sem saber qual é a moral da história. Ou melhor, sabendo que elas são muitas, porque esse é um filme que toca em várias feridas, mais ou menos doloridas, de acordo com o freguês.

A trama é bem simples: o oficial de justiça recém aposentado Benjamín Espósito (o sensacional Ricardo Darín, de O filho da noiva) começa a escrever um romance policial sobre um caso que ele mesmo investigou em 1974. Entre idas e vindas no tempo, descobrimos como um crime pode ser elucidado pela observação atenta a um simples olhar. Ao revisitar o passado pelas palavras e pela memória, Benjamin questiona, além dos detalhes do crime, a forma como conduziu sua vida até então.

A mistura de temas tão complexos, que poderia resultar em um desastre completo, aqui, funciona muito bem: pitadas sutis de comédia e romance permeiam questões profundas como violência, obsessão, insatisfação pessoal e vaidade, culminando com uma apoteose digna de Hitchcock.


Para ver, rever e aplaudir de pé.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Sobre a primeira grande desilusão...


" Um dia, contava meu tio, eu saí atrás de meus irmãozinhos, Aurélio e Ernesto, teu pai, terrível como você, me disse, rindo. Eles tinham sumido, escapado da minha vigilância. Onde diabos eles teriam ido se meter? Procurava os dois, na maior aflição, já tinha vasculhado todos os cantos do navio quando lembrei de entrar no depósito de bagagens. Sabem quem eu encontrei lá? Meu pai. O nonno estava sentado em cima de um baú, ali escondido, chorando. Não cheguei perto, fiquei calado, só olhando. Ele não me viu porque estava com as mãos no rosto. Eu nunca pensei que pudesse ver um dia uma coisa daquelas: meu pai, um homem tão forte, tão corajoso, chorando. Nunca imaginei que meu pai soubesse chorar... Confesso que fiquei triste, desapontado, ao ver meu pai soluçando daquele jeito."

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Sobre o que fazer quando morrer...


"Mas Colette perguntava, em pânico por um momento, atirada em descrença: e se eu morrer? Al, que devo fazer se morrer?
Al respondia: mantenha a cabeça no lugar. Não chore. Não fale com ninguém. Não coma nada. Repita sem parar o seu nome. Feche os olhos e procure a luz. Se alguém disse: siga-me, peça para se identificar. Quando vir a luz, caminhe em direção a ela. Mantenha a bolsa grudada ao corpo, onde antes havia corpo. Não abra a bolsa, e lembre que a última coisa que deve fazer é puxar um mapa, por mais perdida que se sinta. Se alguém lhe pedir dinheiro, ignore, passe reto. É só continuar andando para a luz. Não olhe ninguém nos olhos. Não deixe ninguém deter você."

sábado, 17 de abril de 2010

Apaixonada...



Me fez lembrar quando eu tinha uns 5 anos e me apaixonei por um padre... = )

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Equilibrista

Você tem de ser equilibrista até o fim da vida. E suando muito, apertando o cabo da sombrinha aberta, com medo de cair, olhando a distância do arame já percorrido e do arame a percorrer — e sempre tendo de exibir para o público um falso sorriso de calma e facilidade. Tem de fazer isso todos os dias, para os outros como se na vida não tivesse feito outra coisa, para você como se fosse sempre a primeira vez, e a mais perigosa. Do contrário seu número será um fracasso.


De Fernando Sabino para Clarice Lispector. Ou será que foi para mim?

terça-feira, 13 de abril de 2010

O Beijo


Dizem que o pintor austríaco Gustav Klimt (1862-1918) foi quem melhor inseriu a beleza feminina no meio artístico. No quadro O Beijo (1907-08), o pintor retrata o ardor da paixão, em um estilo radical para a época; tanto que foi incompreendido até por seus colegas pintores.
Na obra, o pintor retrata a si mesmo e a sua amante Emilie. Dizem os entendidos que, com um olhar atento ao quadro, vê-se que a mulher, ao ser beijada, tem sua alma aprisionada voluntariamente ao corpo do homem, e que a obra é uma expressão sublime do erotismo e do desespero.
O Beijo faz parte do acervo da Österreichische Galery de Viena. Está aí uma obra para se apaixonar!

Beijo, kiss, beso, kissu, küchen, baiser, tzub, pitér, xkyss, potselui, neshiká

domingo, 11 de abril de 2010

A visão de Drumond sobre as moças de Belo Horizonte

Belo Horizontinas no Bar do Ponto em 1935

A última edição do Jornal da Pampulha traz uma crônica de Carlos Drumond de Andrade elogiando o charme intelectualizado das nossas ancestrais.
Na crônica "Entre o baton e os livros" ele confessa seu encantamento pelo que chamou de intelectualização das jovens que viviam na capital mineira na década de 1930. Segundo ele, nossas avós, moças da Belo Horizonte daquela época, não se adaptaram ao "modelo melancólico das inglesas, de um ser desgracioso, agido e medular, decorado com um par de óculos cintilantes e botinas intermináveis, com um vestido horroroso no meio", e continuavam bonitas, adoráveis e de bem com a vida.
"Confesso que fico um tanto comovido quando, ao pegar meu bonde das 11 horas, vejo no banco da frente a moça que lê André Mourois - `Les Mondes Imaginaires Gracssete, 25iéne Édition` - e no banco de trás a moça que assina a Litteray Digest (notem que não é Ardel nem a `Revista da Semana`), ambas perfeitamente normais e intergradas ao quadro cotidiano", escreveu Drumond. E isso, de acordo com o cronista, não era mais uma exceção na cidade, onde ele notava que "toda novidade bibliográfica francesa, inglesa, espanhola, etc, encontrava leitoras bonitas."

sábado, 10 de abril de 2010

O jiló de hoje!


Nesta edição do Comida di Buteco, todos os pratos participantes devem, obrigatoriamente, conter jiló. Hoje, resolvi experimentar o jiló do Antoniu´s, que está concorrendo com o prato Enroladinho do Antoniu´s - enrolado de frango recheado com legumes e jiló, acompanhado de molho madeira, molho de laranja e pasta de jiló. Delícia!!! Dei nota 8 no formulário de votação, porque achei que faltou um pouquinho de tempero no frango.


O bar está concorrendo também em uma categoria paralela, promovida pela Elma Chips, com a Surpresa Mineira - carne de panela, com purê de mandioca e queijo, e Doritos. Simplesmente divino e, na minha opinião, melhor que o Enroladinho.


 
O Antoniu´s


Enroladinho do Antoniu´s


Surpresa Mineira

Meio flor, meio gente...


Lembra quando rolou aquela história de uma coelhinha que ficava verde fluorescente no escuro?
Pois, é...  Além de Alba, que é o resultado da interação do gene de um coelho comum com o de uma água-viva fluorescente do Oceano Pacífico, Eduardo Kac é o pai da Edunia, uma flor, resultado da mistura de gens do artista e de uma Petunia!!! *.*

Eduardo Kac é pioneiro da arte digital e transgênica, no mundo, e o DNA dele está aí, nas veias vermelhas da pétala. Aqui, você pode ler uma explicação do artista sobre a obra:  http://www.ekac.org/nat.hist.enig.html

Eduardo Kac é também o criador da Holopoesia, que é “uma linguagem verbal/visual que explora as flutuações formais, semânticas e perceptuais da palavra/imagem no espaço-tempo.” Em outras palavras, o cara inventou a poesia digital.

Se você está em BH, corre pra ver o último dia da exposição dele, Poesia Digital, só até amanhã, no Oi Futuro. São 14 dos seus primeiros poemas e a maioria deles interativo.

Vila Morada

Hoje fiz uma descoberta fantástica que deveu-se, exclusivamente, a uma pequena mudança no caminho que sempre faço a pé entre o escritório e minha casa. Passando pela rua Rio Grande do Norte, ao lado do meu inferninho preferido (A Obra), o que significa que já passei inúmeras vezes por lá sem notar, avistei um corredorzinho comprido, cheio de plantas no fundo. Resolví dar uma espiadinha e me deparei com uma vilinha bucólica, cheia de casinhas coloridas - a Vila Morada.

Trata-se de uma vila de 1972, localizada no coração da Savassi. São 15 casas, entre residências e ateliês, dispostas ao longo de um corredor, onde gatos passeiam distraidamente, e pássaros cantam nos galhos das plantas, lembrando as belas cidades históricas de Minas.

A maior parte das casas é habitada por artistas, entre pintores, designers de moda, ceramistas, chefs de cozinha, dentre outros. Em um dos ateliês conheci a Cleo, um encanto de menina, que produz peças de roupa exclusivíssimas. Para quem quiser conhecer, o endereço do blog dela é ateliedemoda.blogspot.com

Andando um pouquinho mais, conheci a Lilly que faz lindas gravuras e depois de 5 minutos de conversa já me convidou para uma cervejinha em uma mesinha na porta da sua casa. Claro que aceitei, né?

É óbvio que eu decidí, na mesma hora, que queria me mudar para lá, imediatamente. Mas, infelizmente, a Lilly me contou que existe uma lista de espera de 193 pessoas interessadas e que ela esperou 6 anos para conseguir alugar o seu cantinho... : (

Para quem quiser conhecer, o endereço é Rua Rio Grande do Norte, 1146 na Savassi.

A entrada


O mosaico no piso já sinaliza a bela surpresa


Uma cidadezinha do interior inscrustada no coração da Savassi. Detalhe: esse grande prédio ao fundo é onde funciona o escritório da Leite Integral


A entrada do ateliê da Cleo


A casa da Lilly


Minha futura casa... ? quem sabe?

quarta-feira, 7 de abril de 2010



"Não sei se quero descansar por estar realmente cansada ou se quero descansar para desistir." (Clarice Lispector)

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Sobre as perguntas sem resposta


"Eu não consegui, ou não quis, adormecer tão cedo. Liguei o meu walkman e fiquei a ouvir um lado inteiro de um disco do Bob Dylan. Adormeci com ele a pergurtar-me ao ouvido: How many roads must a man walk down/ Before you call him a man?/ Yes, and how many seas must a white dove sail/ Before she sleeps in the sand? E, mesmo antes de fechar de vez os olhos e cair na inconsciência, respondi-lhe: I don´t know the answer, my friend..."

domingo, 4 de abril de 2010

Sobre o anonimato da dor


"...Neste lugar, a que chamam Gólgota, muitos são os que tiveram o mesmo destino fatal e outros muitos virão a ter, mas este homem, nu, cravado de pés e mãos numa cruz, filho de José e Maria, Jesus de seu nome, é o único a quem o futuro concederá a honra da maiúscula inicial, os mais nunca passarão de crucificados menores. É ele, finalmente, este para quem apenas olham José de Arimateia e Maria Madalena, este que faz chorar o sol e a lua, este que ainda agora louvou o Bom Ladrão e desprezou o Mau, por não compreender que não há nenhum diferença entre um e outro, ou, se diferença há, não é essa, pois o Bem e o Mal não existem em si mesmos, cada um deles é somente a ausência do outro. Tem por cima da cabeça, resplandecente de mil raios, mais do que, juntos o sol e a lua, um cartaz escrito em romanas letras que o proclamam Rei dos Judes, e, cingindo-a, uma dolorosa coroa de espinhos, como a levam, e não sabem, mesmo quando não sangram para fora do corpo, aqueles homens a quem não se permite que sejam reis em suas próprias pessoas..."

sábado, 3 de abril de 2010

Sobre a igreja, seus milagres, e os mistérios da fé


"...Não sei nada dessas teses, ou lá o que sejas, Nem precisa de saber, basta que tenhas fé, Fé em Deus, ou no meu elefante, perguntou o cornaca, Em ambos, respondeu o padre, E quanto vou eu ganhar com isto, À igreja não se pede, dá-se, Nesse caso, vossa paternidade deveria falar antes com o elefante, visto que dele dependerá o bom resultado da operação milagrosa, Tens uma língua descarada, tem cuidado, não a percas, Que é que me acontece se eu levar o elefante à porta da basílica e ele não se ajoelhar, Nada, a não ser que suspeitemos que a culpa seja tua, E se assim fosse, Terias fortes motivos para te arrependeres..."

Sobre o crescei e multiplicai-vos...


" A eva e adão ainda restava a possibilidade de gerarem um filho para compensar a perda do assassinado, mas bem triste há-de-ser a gente sem outra finalidade na vida que a de fazer filhos sem saber porquê nem pra quê. Para continuar a espécie, dizem aqueles que acreditam num objectivo final, numa razão última, embora não tenham nenhuma idéia sobre quais sejam e que nunca se perguntaram em nome de quê terá a espécie de continuar como se fosse ela a única e derradeira esperança do universo. Ao matar abel por não poder matar o senhor, caim já deu sua resposta."

quinta-feira, 1 de abril de 2010

A planta

"Num dado momento penso que num canto de mim nascerá uma planta. Começo a rondá-la, achando que nesse canto se produziu alguma coisa rara, mas que poderia ter futuro. Eu estaria feliz se essa idéia não fracassasse de todo. Contudo, devo esperar por um tempo ignorado: não sei como fazer a planta germinar, nem como favorecer seu crescimento, nem como cuidar dela; só pressinto ou desejo que tenha folhas de poesia; ou algo que se transforme em poesia se certos olhos olharem para ela. Devo tomar cuidado para que não ocupe espaço demais, para que não pretenda ser bela ou intensa, mas que seja a planta que ela mesma está destinada a ser, e que eu possa ajudá-la a sê-lo. Ao mesmo tempo, ela crescerá de acordo com um observador que não se importará muito em querer lhe sugerir intenções ou grandezas demais. Se for uma planta dona de si mesma, terá uma poesia natural, desconhecida para si própria. Ela deve ser como uma pessoa que não sabe quanto vai viver, mas que tem necessidades próprias, com um orgulho discreto, um pouco desajeitada, e que pareça improvisada. Ela não conhecerá suas próprias leis, embora as tenha no mais fundo e a consciência não as possa alcançar. Não saberá o grau e a maneira como a consciência intervirá, mas em última instância imporá sua vontade. E ensinará a consciência a ser desinteressada."


Felisberto Hernández. O cavalo perdido e outras histórias.